Verão


Então. Quer-se um texto mas das mãos só escorre aos poucos o Verão que está quase a despedir-se e, aos poucos, nós também. Há um "eu" em todos os minutos que passam a desaparecer. Portanto, em vez de me perguntar onde estarei quando o Verão terminar, como fez aquele cuja idade eu quase tenho, a idade que ele deixou em Paris, recupero o que me deixo. Em frente à casa de madeira costumava ouvir as árvores e o céu, em bicos de pés encostado ao parapeito da janela. Ainda longe, os montes, o árido, a paisagem como folha em branco e eu a querer estar em toda a parte mas sabia que nunca ia estar em toda a parte. Os campos foram ficando mais secos, tinha muita sede na altura, bem como aquele cão castanho que, sempre com a língua de fora, ia-se escondendo do sol na sombra de um muro de pedra inacabado. Houve uma altura em que a sede era tanta que deixei a casa para trás, usámos a madeira da casa para bloquear a porta, era como se me tivessem tirado a boca para eu não gritar. Devagar despedi-me de todo o lado e tive a certeza de que nunca ia estar em toda a parte. Substituiu-se pelo cimento, as persianas amareladas empurravam o sol para fora e havia fresco. Cresci e envelheci à janela, não importava o calor entrar, eu queria estar onde estava o meu olhar. Hoje que já não acordo sem dores e esqueço-me tanto apenas tenho mais um Verão para me lembrar a vontade de estar em toda a parte e por onde passei e os sítios onde não vou estar porque os sítios nunca estiveram fora da janela mas sempre dentro de mim.