1300 AV, C-60, #21


As persianas mal fechadas deixavam entrar alguma luz naquela sala quase vazia. Digo quase porque no centro tinham deixado uma cadeira de plástico, daquelas das esplanadas, que ameaçam constantemente a sua quebra. O meu peso, hoje maior que nunca, aguentou-se. Havia uma dor ali, acho que era a minha, mas o meu desejo de não estar ali toldava-me o pensamento lógico, neste momento não sei se estive, de facto, naquela sala. Mas pelo menos vou contar o que se passou por lá, nesses instantes. Olhei uma outra vez em volta para as paredes meio amarelas da luz, onde se viam pequenas partículas de pó a pairar e, segundos mais tarde, o fumo do meu cigarro. Retirei um gravador do bolso, confirmei se ainda tinha espaço na cassete. Parece que não. Felizmente estava preparado, retirei esta, já usada, e coloquei-a junto às outras que estavam num pequeno saco de pano que há já quatro dias carregava e enchia. Escrevi "quarto dia, hora nove" na etiqueta de uma nova cassete e, pouco depois de começar a gravar, falei. E foi isto que eu disse, as palavras que saem da pequena máquina. "Acho que é a minha última cassete, portanto é hora de me despedir. Espero que saibas que nunca me esqueci de ti e, depois de tanto tempo, só te tenho a agradecer, embora eu tenha sido má pessoa; desde os primeiros tempos, quando me embebedava e manchava os lençóis comigo, com a nódoa que era. Ou quando fiz coisas tão atrozes que estive dias a fio sem aparecer em casa por não te conseguir olhar. Agora que penso nisso um pouco, foi a primeira vez que te pedi desculpa. Não me desculpei de mais nada, nem de quando te quis agredir ou te chamei nomes. Não me desculpei quando disse ao nosso filho que ele era um erro. Não o fiz também quando comprei uma arma, lembro-me o quanto insististe para eu não o fazer, como a violência não resolve nada. Foi quando premi o gatilho que te pedi desculpa uma segunda vez. Mas não me ouviste".

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